Oxford e o nosso lugar

Fui conhecer a Universidade de Oxford nesta semana, tão antiga que sequer tem data de fundação direito (parece que circa anos 1000 já tinha esquema por ali). E então eu respirava aqueles ares de tradição cheirando a madeira antiga, ouvindo sobre as cerimônias em latim que resistem ao tempo e sobre universitários proibidos de apertar a mão do diretor na graduação (só os doutores), quando meu amigo chamou a atenção para um globo prateado no jardim do Balliol College, fundado em 1263. Pediu para eu ler o que dizia a inscrição porque a vista dele não alcançava e não podia pisar na grama.

Dizia o seguinte: “Celebrando o Trigésimo Aniversário da Primeira Admissão de Mulheres, 1979-2009”. Também está escrito: For all women at Balliol: past present and future. Seguimos. (mais sobre o globo clicando aqui).

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Entramos na capela da Trinity College, século 16. Um papelzinho pregado no canto de um quadro ressaltava que embora tenha sido uma personagem central na história do college, Elizabeth Pope, a esposa do fundador do Trinity Thomas Pope, só podia participar das missas em um lugar isolado na capela porque mulher não podia circular ali.

Seguimos até o refeitório do college. No lugar das usuais pinturas antigas de senhores com suas enormes perucas ou outros homens brilhantes da nossa época, da parede pendiam retratos de ex-alunas do Trinity posando do alto de seu sucesso profissional. Flagramos ali meio escondidos e amontoados no balcão superior os enormes retratos dos senhores que acabaram desajolados temporariamente para dar lugar a elas. (Mais detalhes dessa exposição que vai até dezembro de 2017 clicando aqui)

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Aqui mulheres de diversas ocupações dentro do Trinity College

À noite tinha o show da tal da Kate Nash. Tinha ouvido umas músicas na internet sem muita expectativa, um pop eletrônico meio Zooey Deschanel. Quando a loirinha abusada de L.A. encerrou o show de abertura e a banda principal entrou no palco, fui surpreendida pela pegada rock boníssima em uma formação só com meninas, aquilo acontecendo em um lugar que há pouco mais de 30 anos sequer aceitava mulheres como estudantes. Quando eu saia pela porta correndo para não perder o trem já no final do show, Kate falava o seguinte:

“Teve uma vez que um jornalista veio me perguntar se eu não me sentia incomodada pelo fato de a maioria dos meus fãs serem mulheres jovens. Eu disse ‘What the fuck are you saying?’. As pessoas não respeitam mulheres jovens. É sempre importante encontrar a sua voz, ser você mesma e se sentir confortável com isso. Eu ainda luto com isso”. (mais clicando aqui).

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*****

Obrigada Oxford, por lembrar que as nossas conquistas não são algo para dar como garantido, e por mostrar o tanto que avançamos até aqui e onde ainda vamos chegar. Que futuro incrível temos pela frente.


Você leitora,

Tenta lembrar o caminho que te trouxe até aqui. Repassa os planos, a forma de pensar, sua liberdade, suas escolhas, a conveniência das decisões, as limitações.

Já que neste blog a gente fala de externalidades, vou contar que nesta semana revisitei a minha vida em contraste com as lentes de um mundo mais duro. Porque uma coisa é a dureza-personagem, em distância objetiva, mas quando ela senta todo dia do seu lado, é inevitável comparar caminhos que trouxeram ao mesmo lugar.

Naquele dia a faculdade estava especialmente modorrenta e ainda marcamos horário noturno para discutirmos uns textos. Desde o primeiro dia lembro dela com o cabelão escovado batendo embaixo da cintura ou preso em um caracol gigante, camadas de maquiagem e olhos marcados de kajal. Um mês e meio depois, ainda parecia uma adolescente em primeiro dia de aula. Não lembro bem como saímos dos papers e .ppts para a vida real, mas tinha a ver com a menininha que vi na tela do seu computador.

“É a minha filha”, falou rindo, com um olhar meio ‘quem mais seria?’.

A pequena fica com a avó na terra natal enquanto ela passa um ano estudando em Londres. A garotinha é fruto de um casamento arranjado na adolescência porque o pai teve problemas de saúde e queria encaminhar a filha antes de morrer. Poderia ter escolhido não se casar? Não.

Nesse ponto abri um parêntese para deixá-la mais confortável, fosse o caso. Disse que não conseguia mais ter uma opinião generalizada sobre casamentos arranjados depois que conversei com várias mulheres que até preferiam. Ela não preferia. Só queria continuar os estudos, mas acabou entrando em um casamento tão violento e abusivo que as visitas ao hospital eram constantes. E vários anos se passaram assim, porque não era uma esposa produtiva na relação (sim, nesses termos).

Me falou mais da vida nesse distante Século 21 que agora se chocava com o meu. De um mundo onde abusos e espancamentos domésticos são temas comuns de conversas entre amigos. Onde esposas precisam de permissão expressa do marido para trabalharem. Onde a vida de uma mulher só é vista como digna dentro do casamento. Onde divorciadas sequer conseguem alugar uma casa por questões socioculturais e dificilmente vão se casar de novo porque não são mais puras.

Foi neste mundo longínquo que ela pediu divórcio enquanto estava grávida para se reinventar como exemplo para a filha. Foi morar com a mãe e irmãos, arrumou emprego em uma ONG que apoia mulheres e seguiu seus estudos – já está no segundo mestrado.

As feições ganharam traços infantis quando voltamos aos livros e falamos do seu futuro doutorado.

p.s.: hoje a notícia dos livros feministas espalhados no metrô de Londres invadiu minha timeline, mas a minha história favorita da semana é essa aqui =)


Rio??

Saindo do Parque Lage, estranhei quando a cobradora do ônibus falou para ter cuidado. Sempre achei que o Rio é temido mais que o necessário por quem é de fora, e embora não desconheça fatos e estatísticas, nunca concebi nitidamente a ideia de que aquelas mesmas ruas frequentadas por figurantes em eterno clima de férias poderiam representar irremediável perigo. Mas aí lembrei quando o pipoqueiro do Arpoador me contou, dois dias antes, que precisou ficar agarrado na carrinho quando a coisa ficou feia por ali mais cedo.

Domingo, cerca de 16h de um esplêndido dia de sol, arrumei a tralha para começar o caminho de volta sentido Leblon-Leme. Foi em algum momento entre Ipanema e Copacabana que vi a bizarra cena de meninos mirrados puxando coisas e correndo alucinadamente. “Tá, você está no Rio, mais hora menos hora ia acontecer”, pensei, assaltada por uma mistura de adrenalina, impotência, mas afinal, alívio por estar protegida dentro daquela caixa widescreen com ampla visão de tudo. Ainda assim me espantei ao ver civis enfurecidos em disparada atrás dos moleques, mentalizando para que tudo ficasse bem.

Poucos metros depois, outra correria, dessa vez com policiais envolvidos. E eu que estava aliviada porque o Estado cuidaria da situação agora, senti o sangue faltar quando começou uma gritaria de ATIRA ATIRA e um deles puxou a arma enquanto corria na rua lotada. Dobraram a esquina.

Mais alguns metros e o tumulto tornou-se permanente. Mulheres e crianças chorando, moleques deslizando por entre os carros, gente indignada, mais adiante outra correria, outro grupo de civis perseguindo meninos magrelos, carros da polícia atravessados na pista, trânsito parado – vários ônibus deixaram de informar as linhas para não abrirem as portas. Eu sei gente, que a violência existe e que arrastões no Rio são frequentes, mas a sensação era de que o efetivo de policiais não seria suficiente para controlar o que quer que estivesse explodindo ali, em plena Av. Nossa Sra. de Copacabana.

Reparei que alguns meninos estavam entrando nos ônibus parados no engarrafamento e achei melhor descer, me esconder em algum comércio mas todos fechados, em alguma rua mas não sabia qual. Ali na frente alguém começou a golpear uma janela de ônibus e implorei para entrar em um hotelão estrelado com outros turistas. “Se isso está acontecendo no inverno, o que virá no verão”, previu uma funcionária, que disse ter começado a andar com spray de pimenta na bolsa.

Pensando em todas as camadas que levaram a esse estado de coisas, acho que as faltas são tantas, as responsabilidades tão negligenciadas, os valores tão invertidos e a empatia com o próximo tão limitada que sinceramente não encontrei saída e chorei, pelos moleques, pelas vítimas, pela mãe que só queria curtir um fim de semana de Rock in Rio com o filho cadeirante e por tudo isso que a gente vem fazendo dar errado.

Mais aqui, nesta triste matéria d’O Globo.

p.s.: Um policial conseguiu agarrar um menininho com pernas curtas sob o olhar de uma vítima apavorada com um bebê de colo, de onde tirei essa foto para acompanhar depois.

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Um ano e o blog manco

Duas pessoas que conheci no Vietnã apareceram em uma foto na minha timeline recentemente. Seria trivial, não fosse o fato de que elas vivem em países diferentes e também se conheceram enquanto viajavam. E que a foto foi feita meses depois, já em outro continente, num desses frequentes casos de amizades que sobrevivem à fugacidade de um esbarrão em algum lugar do mundo.

Hoje faz exato um ano do voo Pequim-Paris (!), mas foi só recentemente que reparei o quanto este blog está manco. Claro que o propósito da viagem sempre foi a Ásia e os asiáticos, até ficava meio brava quando rotulavam isso de ano sabático – que denota mais foco no visitante que no visitado. Achava que o papel de observadora já era suficiente, mas olhando agora, parece estranho quase nunca ter mencionado as histórias divididas entre estradas, barcos, quartos, mesas de bar, momentos de ócio, euforia, indignação, cansaço e o que mais coube na convivência com os outros viajantes. Nem fotos nossas postei direito.

O mais curioso é que, um ano depois, são justamente essas pessoas que mantém a Ásia viva com cada nova mensagem, atualização ou foto. Tipo o casal que engravidou e o outro que terminou, a menina que perdeu o pai que já estava doente, o cara que conseguiu lançar o projeto que discutimos em uma praia em Goa. Fui para a Argentina e ganhei o sofá de um amigo que conheci na Índia, mês passado mandei dinheiro para o guia nepalês que precisava de ajuda pós-terremoto, ontem a querida de Pequim foi à loja em Nanluoguxiang ver se ainda existiam os óculos que perdi no fim de semana. A impressão é que criamos uma rede invisível que vai sabe-se se lá até quando, ignorando tempo, distância e novos personagens que atulham a vida de páginas seguintes.

Não retomo essas histórias agora porque sei lá, e na verdade acho que esse post é muito mais para mim que para vocês. Mas sei que vou ficar feliz toda vez que voltar aqui e achar que as coisas ficaram um pouco mais completas e justas com este posfácio ilustrado.


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O coma que ressucitou

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Eu + Índia+ mochilão + tuk tuk = das memórias inéditas recém-reveladas

Oi gente, quanto tempo!

Ciente da iminente perda definitiva de fotos/vídeos dos primeiros meses da viagem (sim, ainda estava nessa de tentar dar jeito no notebook em coma), comecei a contatar o pessoal que encontrei por lá para recuperar o máximo de memórias compartilhadas.

Só não sabia que cada leva de downloads e winzips seria tão impactante para essa já reestabelecida serva da rotina nossa de cada dia.

Aí fiquei com vontade de escrever, para pelo menos dar o que vestir a tantas recordações e personagens que ficaram de fora do blog. Não que o recorte já não fosse pessoal, mas agora estamos falando das tais memórias personalíssimas que vinham cobrando.

Eita.

Vamos falando.


A minha China

Depois de tanto tempo na estrada, relativizei o mês seguinte e achei que seria mais um. Que entraria e sairia com uns exotismos para contar e só.

Eu que pensava saber de antemão das multidões, das metrópoles, da potência econômica, do rolinho primavera, precisei formatar e reiniciar várias vezes para equilibrar a equação espírito aguçado/corpo desgastado. Porque diferentemente das ex-colônias visitadas até ali, a China continental é Oriente puro, complexa demais para dar muita brecha à globalização.

As atrações turísticas viraram mero liga-pontos entre situações inusitadas de eficácia comprovada. Ficar presa no engarrafamento de gente, chegar a uma cidade inundada, esperar dez horas por um trem, tudo fazia sentido porque eles, os chineses, estavam comigo. A sempre idealizada vida do outro lado do mundo acontecia bem do meu lado.

Confesso que esperava uma interação mais difícil, nosso contato até então limitado às notícias de jornal e às chinatowns. Mas se as novelas estão certas, enganos desfeitos são os melhores catalisadores para histórias de amor. O coração transbordava quando eles se aproximavam com o inglês meio roto, tímidos quando não encontravam a palavra certa. “Queremos que os visitantes sintam-se bem-vindos”, era o que ouvia a cada nova gentileza sem cabimento. A professora fascinada por novas culturas disse que sair dali é difícil, então o melhor é esperar que a gente vá e continue voltando.

É interessante pensar que a China está por toda parte, mas não o inverso. Além de incompreendidos (ou falsamente entendidos), as peculiaridades locais tornaram os chineses continentais essencialmente doceis e domésticos, mas não ensimesmados. São curiosos, interativos e pensantes, especialmente quando percebem que a recíproca é verdadeira.

De tão encantada, quis trocar o resto de Sudeste Asiático pela dobradinha Coreia do Sul/Japão. Não deu tempo, a China me engoliu só para ela.

Nas fotos aí embaixo, nossos melhores momentos e a nostalgia de um mês.

***

p.s.: não se dê por satisfeito com as “chinas” de Nova Iorque, Londres ou São Francisco. Pegue sua mala e vá ao cerne da questão, porque ali a história é outra.

p.s.2: Time explica aqui como o V virou uma instituição nas fotos asiáticas.

 

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Sobre parar e continuar, parte dois

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Simpatizo com o protagonista real de Na Natureza Selvagem, mas nunca consegui decidir se Christopher McCandless foi um corajoso inspirador ou um inconsequente teimoso. Me pergunto se em algum momento ele poderia ter reconsiderado os termos da jornada sem precisar morrer sozinho no meio do nada, justamente quando tinha tantas coisas para dividir. E desde que assisti ao filme, me pergunto em que momento persistência e obstinação deixam de ser adjetivos para se virarem contra o portador.

Como falei outro dia, meu corpo andava meio estressado com a estrada, e com razão. Nunca tratei esse ano como férias, e tirando uns dias aqui e ali, sempre viajei rápida e intensamente. Cortei radicalmente as carnes logo no início e ainda pulava refeições com mais freqüência que devia, enquanto o esforço físico multiplicou. Perdi 10 quilos, fiquei anêmica, perdi metade do cabelo. Lembro quando li A Revolução dos Bichos durante uma nevasca no Nepal e achei tão estúpido o cavalo Sansão, que trabalhava o dobro com metade da ração em nome do ideal coletivo. A equação podia até soar desequilibrada para cavalos comunistas, mas comigo, veja bem, tudo certo.

A picada infeccionada no Camboja levei um mês para tratar. No episódio que engatilhou a situação atual, me perdi pela trilha do monte chinês Huangshan e subi e desci mais de mil metros em apenas um dia, trajeto de 20 quilômetros que o guia classifica como “slightly insane”. Já doente, continuei viajando, pegando trem lotado, chuva, sol forte. Como maior interessada na minha própria saúde, juro que achei normal, sempre aguentei tudo. Aí veio aquela sinusite, e depois de duas semanas de molho compulsório, as coisas finalmente se encaminhavam para a retomada de uma viagem mais consciente e saudável, ufa.

Decidi sobre a Mongólia, escrevi o ultimo post, fui à Grande Muralha. E umas coisas estranhas apareceram. Os olhos doloridos e abertos demais, a claridade machucando. O corpo foi perdendo a velocidade e começou a pulsar devagar, acompanhando a câmera lenta meio deformada das coisas e pessoas ao redor. Com as mãos geladas, vieram calafrios e sensações de desmaio, parecia que ia entrar em choque. Uma ideia fixa de que ia morrer sozinha em Pequim.

Três dias letárgicos depois, já com exames em ordem na mão, o médico disse que devo ter me intoxicado com o antibiótico, provavelmente com a participação da estafa de 10 meses na estrada associada à debilidade com a sinusite que passou.

– Mas doutor, eu estava super empolgada com o próximo destino, queria muito continuar.
– O diabético pode gostar muito de doce, mas nem por isso pode comer como quiser.

Então decidi pegar um vôo para a França, porque tudo isso aconteceu na mesma época em que mãe e irmã estariam de férias por aqui.

Se existiu algum momento em que poderia mudar alguma coisa, justamente quando tenho tantas coisas para dividir, me pareceu este.

p.s.: ainda recuperando da visão alterada, zumbidos nos ouvidos e dores nas costas, mas já bem melhor. Mais sobre efeitos colaterais de antibióticos aqui.


Sobre parar e continuar

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Saí para almoçar sem decidir. O próximo destino, tão instintivo até aqui, parecia engasgado. Tinha os 10 meses exaustos de estrada. Tinha a China imensa e demolidora do último mes. Tinha a Mongólia soando meio inóspita demais como próximo destino (se bem que a história do visto liberado pareceu alvissareira – leia isso se considera conhecer o país até 2015).

Foi nesse cenário que nos esbarramos na recepção do hostel, ele ainda voltando da noitada anterior. O doutor portorriquenho não está viajando há dez, mas nove meses. Acabou de vir da Mongólia, e antes do Oriente Médio e da África. Me presenteou seu guia do último destino, além de depoimentos empolgados e dicas que não chegariam de outra forma. Também me emprestou afinidade e brilho nos olhos que andavam preguiçosos com isso de colocar a mochila nas costas.

Sentados na sarjeta em frente ao hostel, entre blocos de anotação, folders e telefones, nos mostramos marcas da viagem – eu uma tatuagem preta média na perna depois de uma picada de mosquito infeccionada no Camboja; ele um pedaço de pele extirpado enquanto explorava a Mongólia a cavalo.

Praguejei contra a sinusite bacteriana que me atropelou nas duas últimas semanas. Confessei o pranto desconsolado enquanto derretia de febre no sotão de um albergue no interior da China. Ele disse que não sabia o que era chorar até pegar malária em Moçambique. Ficou 18 dias doente,12 achando que ia morrer, não tinha vaga no hospital. Falou do pânico que foi perder a noção de quem era por alguns minutos enquanto tentava comprar remédios. “Só pensava que aquilo ia me fazer mais forte e virar uma história de viagem”.  
 

– Mas sério, estou cansada.

– Eu também. Já considerei parar e voltar quando der.

– Também. Mas alguma coisa continua dizendo para continuar.  

– Foi tão complexo o processo de separar esse ano, de finalmente estar aqui, que parece meio ridículo desistir agora. Até porque, que depois é esse? Quem garante que amanhã eu posso voltar? 

Ninguém garante, dizem os jornais.


Outras coisas chinesas

Antes tudo parecia diferente demais. Depois desse mês aqui, seguem algumas observacões fundamentadas.

1) Cachorro quente, o verdadeiro
Parece que é um público bem restrito (e me garantem, cada vez menor). Só achei uma loja autodeclarada de carne de cachorro, essa da foto. Por outro lado, coisa mais fácil é ver chineses passeando com seus animais de estimação pela rua.

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Em Lijiang, província de Yunnan

2) Escatologias públicas
Cuspir, arrotar, soltar pum, colocar crianças para fazer necessidades na rua, tudo verdade. Mas desde a Índia tenho achado meio infantil usar o ocidente como parâmetro absoluto de certo e errado. É só diferente e pronto. Assim como para eles o certo é comer com palitinhos e para nós com talheres, na cultura chinesa o certo é se aliviar assim que a necessidade surgir (parece até que por crenças médicas e espirituais, a conferir).

3) Super barulho ao comer e ao usar o telefone
Sim, mas pare!, não estão fazendo para te irritar. Assim que cheguei ficava encarando para ver se eles se tocavam. Aí me olhavam de volta com cara de “que foi, minha filha?”, sinceramente sem entender qual o problema. Desde então quem se tocou fui eu.

4) Poluição
Está aqui, principalmente no ar nevoado, mas as cidades não são sujas nem têm cheiro ruim. Inclusive as pessoas pescam e nadam nos rios e lagos e as lixeiras públicas costumam ter divisão para reciclados.

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Pescaria no centro de Pequim

5) Furação de fila
Essa é complicada, porque quando afeta o próximo fica difícil justificar com tradições e costumes. Mas vamos lá. Não são poucos os países desenvolvidos onde vi gente fazendo isso na maior cara de pau, tampouco a prática está erradicada no Brasil. E se alguém está furando, é porque alguém está formando a fila. Um dia perguntei para uma chinesa se eles não se incomodam com isso. Ela disse que muita gente acaba ficando quieta para evitar briga, ou seja, uma calma e paciência que não temos.

6) Homens sem camiseta ou com a pança para fora (inclusive em lugares fechados)
Engraçado, gente.

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Restaurante em Pequim

7) Cigarro
Dureza. Fumam muito, nos restaurantes, trens, ônibus fechados, ruas tumultuadas. Em alguns poucos lugares estão proibindo, mas pelo jeito vai demorar a pegar, se pegar.

8) Overdose de fofura
A principal crítica que ouvi de ocidentais que moram aqui, convivendo suficientemente para sair de primeiras impressões: os chineses são tão solícitos que às vezes passam do ponto. Uma pessoa começou a fugir de casa para evitar vizinhos ultraparticipativos.


Coisas chinesas legais

1) Caricaturas e bichinhos fofinhos para todas as ocasiões: turísmo, polícia, metrô (foto).

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2) Idosos em solo trip pelo país se hospedam nos albergues/dormitórios junto com a moçada, que interage com eles de igual para igual.

3) Casais e famílias com a mesma roupa.

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4) Os pratos são divididos entre todos. Mais variedade e menos mesquinharia.

5) Lojas de doces artesanais com zoológico humano dos confeiteiros.

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6) Namorados carregam bolsa das namoradas.

7) Dedinhos nas fotos – e muitas fotos.

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8) Conceito de moda tão pertinentemente elástico que permite chifrinho piscante em caminhadas vespertinas pelo distrito financeiro da cidade (desculpem a ausência de foto).

9) Bilhetes como esse.

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10) Papelarias têm serviços de caixas postais para o futuro. Tipo 2020 e adiante.

11) Danças e atividades físico-recreativas em espaços públicos like nobody is watching (mais uma da Mundolândia Productions).